O que se apaga com o Burnout?
- Natália Tayota
- 16 de ago. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 28 de ago. de 2024

Fadiga, insônia, #ansiedade, #estresse, lapsos de memória, alteração de apetite, taquicardia e dificuldade para acordar são sintomas que costumam aparecer em diversas situações clínicas. Quando tudo isso vem junto com a despersonalização do sujeito e uma certa indiferença em relação ao mundo, pode ser que seja a tão falada e atual Síndrome de Burnout. As doenças do trabalho evidenciam as políticas neoliberais que incidem sobre os nossos corpos. O cansaço nosso de cada dia passa do limite da “canseira” para um estado de total colapso mental. Colapsar-se, perde-se de si, sentir que você não é mais você mesmo. E se você não é você, quem é que você é? Você é uma máquina de produzir? E mesmo que você tenha decidido ser uma máquina, uma hora a máquina pifa, queima, vai pra manutenção e às vezes não tem mais conserto. O que é preciso consertar? O que é que se queima no processo de Burnout? Seria esse Burnout um Outro que nos invade quando não estamos assim tão certos sobre o que quer o nosso eu?
Para muita gente, a fluidez de poder estar em home office trouxe mais esgotamento. Estamos preparados para toda essa “fluidez” do mundo? Imagina só que sonho poder ser seu próprio chefe. “Empreenda-se!” Mas será que todos estão prontos ou podem ser empreendedores de si mesmos? E mesmo aqueles que não querem empreender, muitas vezes têm que ser chefes de si mesmo para se adequar aos modelos de trabalho das empresas. Você faz o trabalho do seu chefe e o seu, porque você é o "protagonista da sua carreira"! Qual o custo do excesso de trabalho? É aceitável passar metade das 24h do dia trabalhando? E por que precisamos trabalhar tanto?

O Burnout é o deixar de ser, o queimar-se por dentro, perder o desejo, apagar ou explodir. Qual o lugar que o trabalho ocupa a ponto de nos fazer esgotar? O que o esgoto tem a ver com as nossas crises no trabalho? “Estar na merda” é o que se fala quando se tem muito trabalho a fazer. Quem se põe no esgoto é o quê? Por outro lado, algo que está esgotado também parece ser muito bom. Isso está esgotado porque é necessário, não é?! Eu me esgoto porque sou necessário? Estar em esgotamento também dá possibilidade de fluidez, o esgoto é uma coisa represada, não é? E o que acontece com coisa represada? Dá bicho, adoece! Uma hora o esgoto precisa fluir. O esgotamento é a mensagem para a busca de fluidez em ser e viver.
Quem trabalha em empresa sabe, há um novo discurso nos corredores e nas relações de trabalho. Parece até que a gente é mais livre. Podemos ser nós mesmos, vestir a roupa que gostamos e até jogar vídeo game ou fazer yoga nos momentos de pausa. Parece que não é mais preciso entrar no personagem que usa roupa social para poder trabalhar nas grandes corporações. Mas até que ponto as empresas estão realmente preocupadas com o nosso “bem-estar”? Na prática, o ambiente de trabalho pode até ser “descolado", pode ter horta e mesa de pingue-pongue, mas o que conta mesmo é o modo como se dão as relações e as hierarquias. Será que nós, os millennials, compramos a ideia do discurso horizontal, mas que no fundo ainda é vertical? As empresas desenham lindamente o perfil do novo líder, só que o novo líder existe de verdade? Os chefes dizem: “seja protagonista da sua própria carreira”. Seja auto-gerenciável, inove, empreenda! Inovar em que? As coisas são realmente novas ou só os nomes que são novos?
O novo líder é aquele que olha ao lado e não de cima. E na hora do report para o chefe do seu chefe, ainda existe o horizontal? Por mais que exista esse papo todo de LinkedIn sobre as diferenças entre ser líder e ser chefe, no fim do dia ainda é o chefe quem manda. Os chefes se esforçam para parecerem abertos às mudanças de comportamento, mas na hora que dá pra demonstrar poder, eles nem disfarçam. Chefe gosta de ser chefe! Embora os modelos de trabalho atuais falem de gestão horizontal, no dia a dia ainda é preciso fazer muita coisa que o chefe manda. Tem todo um discurso da colaboração e da ausência de hierarquia, porém isso é realmente aplicado nas dinâmicas laborais?
O psicanalista Jorge Forbes deu o nome de Terra 1 para o mundo velho e Terra 2 para o mundo “novo”. Nós estaríamos vivendo a Terra 2, o tempo das relações horizontais, mas o quanto as relações de trabalho são horizontais? A Terra 2 pode até aparecer como discurso nas empresas, mas na prática ainda tem muita Terra 1 e muita verticalização na liderança. E quem é que sofre com isso? Os liderados que tentam se enquadrar ao modelo. Quem sofre de Burnout é submetido a longas horas de trabalho, muitas vezes em condições de precariedade e de excesso de tarefas, além de, não raro, ser vítima de assédio disfarçado de coleguismo e brodagem de firma. Se o seu chefe é seu “brother”, então certos abusos são permitidos em nome da suposta parceria.
“- Vamos tomar uma?”, diz o chefe. E a pressão diária é diluída em meia dúzia de cervejas. O excesso de álcool tão valorizado no HH da firma, dá pistas de como sofre o sujeito esgotado. Como se preenche o vazio? Onde está o desejo de quem tem Burnout? É um desejo de vida que se perdeu? Apagou-se, deu blackout? Será que a última faísca de libido dentro da gente é o que faz gerar o fogo durante a crise? Se for assim, a combustão, nesse sentido, não seria de todo ruim. Quando uma coisa pega fogo forma-se um clarão e isso poderia ser uma maneira de jogar luz ao sofrimento? Ou o fogo faz queimar tão rápido que nem dá tempo de salvar nada? Tempo dá, sempre dá. A libido é algo que circula. Então como descobrir o que leva o sujeito ao extremo do esgotamento?
É evidente que cada sujeito vai atribuir um significado ao seu esgotamento, entretanto a gente pode pensar em um retorno a uma posição narcísica muito regredida em que o outro não existe.
“Só eu posso dar conta de tudo”, pensa o esgotado. Daí a indiferença ao outro, o isolamento, a despersonalização. Se não há o outro, há melancolia e também o luto. O melancólico não sabe bem o que perdeu, talvez seja o que nunca tenha tido. Já o enlutado pode indicar a perda das idealizações no trabalho. Por que a gente idealiza o trabalho? Perder as idealizações implica no quê? A maioria das perdas implicam o luto. E todo luto implica em lidar com o vazio. E o que se faz com esse vazio? Enche ele de trabalho?! E depois se enche de álcool?
Normalmente, quem passa pelo #Burnout tem baixa realização nas atividades que executa. Trabalha-se demais, mas é um trabalho que faz sofrer e produz pouco sentido na existência. E por que se continua a trabalhar para sofrer? Porque existe uma auto-agressividade, uma posição masoquista que faz o corpo e alma doer. O que esse desinvestimento libidinal quer dizer?
Viver no piloto automático pode até parecer ser confortável, só que ser guiado na vida sai muito caro! É como dirigir um carro, os automáticos são mais confortáveis, mas aí você desaprende a dirigir, a saber a hora de trocar a marcha, a pisar na embreagem, a conhecer os limites que o colocam em movimento. Se a gente quer se movimentar, saber controlar a embreagem no pé e conseguir ser um pouco mais “manual” pode nos ajudar a lembrar que não somos uma máquina automatizada, ainda precisamos da energia e de um movimento que vem do nosso corpo, do nosso interior e não de fora com soluções meramente tecnológicas. Vamos cuidar do nosso motor antes que ele dê uma pane geral e nos deixe no meio da estrada esperando por socorro.
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