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O que as viagens dizem sobre nós

  • Foto do escritor: Natália Tayota
    Natália Tayota
  • 15 de ago. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 23 de ago. de 2024


viajar para descobrir outras cenas
O que se busca em uma viagem?

Viajar para descobrir novos mundos sempre foi uma necessidade ancestral do ser humano. Desde os primitivos navegadores polinésios na exploração do Pacífico ou nas Grandes Navegações europeias, viajar sempre foi significado de uma busca por algo a mais. Nesse sentido, para além da exploração territorial, essa busca também estaria relacionada com um achar o seu lugar no mundo? Seja no simbólico ou no real. Como as viagens nos afetam e produzem sentido para a nossa existência? Somos a mesma pessoa quando estamos no papel de viajante ou nosso comportamento muda quando estamos viajando?


Uma #viagem pode revelar aquilo que somos e aquilo que não somos, o que gostamos e não gostamos, pode ser uma forma de acessar nosso desejo e nos gerar reflexões sobre nosso modo de ser e socializar. Mas nem tudo o que se descobre numa viagem é bom, mas tudo o que se descobre é sobre a gente. Às vezes tem coisa que não queremos descobrir, mas descobrimos na intensa experiência da viagem. Porque uma viagem é sempre intensa e cheio de sentido e significados. O cara chato do passeio, o que ele diz sobre você? E a cidade que você idealizou e não correspondeu suas expectativas, você idealizou por quê? Se decepcionou? Não era tudo isso que você esperava? O que você projetava viver dessa experiência?


Viajar para se encontrar?


A indústria cultural propagou a ideia de que é preciso viajar para se encontrar quando a vida não vai bem e durante as grandes rupturas. Muitos filmes falam sobre isso, como "Comer, rezar e amar" e "Sob o sol da Toscana", que acabam reforçando a comum associação entre #viagem e #autoconhecimento. As novelas, as redes sociais e outros meios de comunicação repercutem o “você está precisando viajar” quando há condições de estresse, depressão ou sentimento de que falta algo. Seria mesmo possível “se encontrar” em uma viagem? O simples ato de sair poderia ajudar na cura do problema e, assim, criar a possibilidade de um encontro consigo mesmo? Como a famosa frase de Saramago: "É preciso sair da ilha para ver a ilha"? Se vê melhor quando estamos fora do nosso local habitual? Ou nossas questões seguirão viagem conosco até que elas possam ser elaboradas? O que tem nas outras cidades que não tem na nossa? Não podemos nos encontrar no nosso próprio lugar de residência? 


Preciso me encontrar - Cartola


A viagem como um tipo de linguagem


Numa viagem, o contato com o outro diz algo sobre nós. Para Lacan, "eu sou o outro", pois só é possível saber de si por meio do outro e do laço social entre as pessoas e os lugares. Viajar também pode ser uma experiência de linguagem à medida que a interação com os outros produzem efeito de linguagem sobre nós. O contato com aquilo que é diferente, o estrangeiro, a estranheza, tudo isso pode nos fazer entrar em contato com o que está encoberto em nós. Nos momentos em que se está justamente no papel de "descobridor", qual a nossa reação diante daquilo que nos estranha? O que isso aponta para nossa subjetividade? Como nos comportamos quando estamos no lugar do outro? A reação ao 'overturismo', diz mais sobre o modo de se comportar do turista ou dos moradores das cidades? Você muda de persona quando está viajando? Você sabe se comportar quando está no lugar do outro? Ou porque é o lugar do outro tudo é permitido?


O que as viagens significam


O significado de uma viagem pode ser único para cada sujeito. Por que você escolhe destino X e não o Y? Quer ir pra Disney? O que isso diz sobre você? Você vai porque realmente quer ou porque todo mundo vai? Qual o lugar que as viagens ocupam no sujeito? Seria um significante fálico e um jeito simbolizar a falta? As viagens são a busca de si mesmo, ou uma fuga para aquilo que não se quer buscar? 


viagem em família

Quase sempre, voltar de uma viagem dá tristeza ou a "depressão de fim de férias" porque a vida precisa voltar ao normal, e isso é como reviver algum lugar das férias da infância. Se você viajava quando criança, a tristeza que você sentia ao voltar, era como um luto porque significava perder a atenção dos pais, sentir o vazio da rotina, até então ocupado com novas experiências de viagem. As viagens da infância deixam marcas e ajudam a construir nossas memórias de pequenos viajantes. Viajar seria, então, uma forma de reviver a criança que fomos? De querer voltar a ver o mundo com o olhar desbravador e curioso de criança? A vida adulta nos faz perder alguma sensibildade no olhar porque estamos sempre ocupados. Nas férias, quando você decide se hospedar num hotel all inclusive, é quase como reviver a sensação de ser cuidado, de ser servido, de ter alguém para fazer tudo por você como sua mãe fazia, onde tudo estava incluso, o afeto e só as sensações de prazer. Quando você é criança, você não precisa se preocupar com nada, assim como num hotel all inclusive. Por que estamos sempre querendo reviver experiências prazerosas da infância e agradar nossa criança interior?


Para Lacan, o falo é aquilo que falta e que pode ser substituído por outra coisa que o represente. Desse modo, o que o significante ‘viagem’ cria em termos de sentido para um sujeito diante do discurso do Outro? Poderia ter uma significação fálica na medida em que a simbolização da falta passa a ser articulada e preenchida com elementos que representam poder ou status para o sujeito? O que diz sobre nosso desejo de consumo por certos tipos de experiência turística? Seria uma forma de acalentar as nossas feridas infantis?


Em uma passagem de "A Interpretação dos Sonhos” (1900), Freud recomenda uma viagem a um paciente e, se até Freud sugeriu uma viagem como forma de amenizar sintomas, podemos acreditar que viajar pode ter efeitos terapêuticos para auxiliar no processo de análise.

“Eu havia identificado o caso como histeria, mas não me sentira disposto a tentar nele meu tratamento psicoterápico e o mandara fazer uma viagem marítima”. 

 
 
 

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