A telepatia segundo Freud
- Natália Tayota
- 15 de ago. de 2024
- 8 min de leitura
Há mais de cem anos Freud escrevia a primeira de suas contribuições sobre a telepatia em “Psicanálise e Telepatia” (1921) e depois “Sonho e Telepatia” (1922). Em ambos os textos, Freud não se convence da existência de fenômenos espontâneos de comunicação entre mentes, mas associa a transmissão de pensamento à transferência entre analista e analisando. Anos antes, em 1903, o norte-americano Charles Sanders Peirce, filósofo, matemático, linguista e um dos “pais” da semiótica também escreveu sobre o assunto no manuscrito “Telepatia e percepção”, traduzido e publicado por Lucia Ferraz Dantas na revista da PUC.
Peirce também duvidava da #telepatia, mas deu alguma importância à percepção, que depois chamou de intuição. Para ele, o percepto é uma imagem que não pode ser compartilhada, só quem vê sabe descrever exatamente como vê. Isso é do campo do sentir, do sentido, que é individual, então não há como tentar ajudar o outro a ver como nós, pois isso sempre será parcial. Já o percipuum seria uma fantasia, algo contrário à razão sã, uma alucinação, como estar em um trem parado e ter a sensação de movimento quando o trem ao lado se movimenta. Uma experiência que não é real, mas é sentida. Segundo o autor, o “que parece ser” são imagens invertidas e daí a importância da demarcação entre a percepção e a imaginação.
Para eles, homens de seu tempo, era importante definir o que era ciência e a natureza de fatos metapsíquicos era fantasioso demais para se acreditar ser verdade. Dizem que Freud fez experimentos parapsicológicos junto a sua filha Anna e com o psicanalista Ferenczi, mesmo assim ele disse nunca ter tido a sensação da telepatia. Peirce disse que “a ciência é atividade que averigua a lei”. Para Freud, sua lei de tornar a psicanálise uma ciência para comprovação da “lei edípica” acabou por centralizar a ciência no lugar da lei. E a ciência está acima de todas as leis? E o universal, o ancestral, os saberes antigos que não têm método de validação científica? Pertencem a uma outra lei, a lei da natureza, do invisível, que é difícil de ser assimilada pelos materialistas. Mais tarde, Lacan vai dizer que o inconsciente está além da ciência, e eu estou de acordo! Já que o inconsciente é metafísico, não anatômico.
Nos tempos atuais, a noção de ciência está bem mais progressista; em 2019, o neurocientista Sidarta Ribeiro publicou “O Oráculo da Noite: A história e ciência do sonho” no qual relata a existência de sonhos divinatórios em diversas culturas, inclusive nos nossos povos nativos. O neurologista / psicanalista do século passado e o neurocientista contemporâneo têm muito em comum no entendimento sobre mente e cérebro, porém divergem quando o assunto é o saber ancestral e espiritual. A pesquisa de Sidarta, de ciências psicodélicas, procura validar o uso de substâncias naturais, usadas pelos xamãs antigos e povos indígenas, em experiências assistidas em laboratórios. A psicodelia induzida traz imagens e insights do inconsciente por meio de uma espécie de alucinação que pode auxiliar no tratamento de doenças da mente.
Freud também tentou uma via parecida com uso de substância. E o que era discussão lá em 1900 continua uma pauta atual. O que é ciência? O que é pseudociência? No passado, a dúvida pairava sobre a existência da telepatia. A telepatia faz parte do campo sutil, que vai além do mental. E qual seria o método de validação de algo que é do sentir? A telepatia existe para quê? O fenômeno ainda é entendido como algo paranormal? Por que será que Freud hesitava em reconhecer a telepatia como uma comunicação inconsciente? Ele demorou 12 anos desde o primeiro texto para enfim entender e reconhecer a telepatia por meio da associação livre de um analisando.
Peirce chamaria esse tipo do Freud de “raciocinadores” porque o sentido de raciocinar é mais importante do que sentir. Para ele, esses tipos “correm o risco de cair em sofismas e pedantismos”, uma vez que “o instinto se engana muito menos do que a razão”. A sabedoria, então, reside “em se discernir bem em que ocasiões deve-se guiar pelo raciocínio e as ocasiões para se guiar por instinto” Porém ele acredita que “na ciência o instinto só pode desempenhar um papel secundário”. Peirce diz: “Fenômenos para os quais os pesquisadores psíquicos invocam telepatia podem ser explicados pela ação mental inconsciente, após severo escrutínio do testemunho e com auxílio da doutrina do acaso.”
E o acaso existe?

Para Freud e Peirce parece que sim! E tudo se explica pela lei edípica? Freud acha que sim. Um dos casos em que analisou o fenômeno da telepatia foi por meio do sonho de um homem que sonha com sua mulher dando à luz a gêmeos e, no dia seguinte, recebe um telegrama avisando que na tarde anterior sua filha tinha dado à luz a gêmeos que nasceram três semanas antes do previsto. A análise de Freud se restringe em torno da matriz edípica e ele atribui o fato à coincidência. Em outro caso, uma mulher relata fenômenos como esses desde a infância e conta de um sonho recorrente com o rosto de um homem, que mais tarde viria a ser seu médico no sanatório onde foi internada. Ela também conta de quando ouviu a voz do irmão, que estava na Guerra, chamando “mãe, mãe” e dias depois recebeu a carta avisando de sua morte no mesmo dia que ela teve a sensação. Na sua infância, quando ouvia o abate do porco sentia a dor do animal e se recusava a comer sua carne, só passou a comer durante a Guerra, por necessidade. A mulher sentia que os animais tinham alma como nós. E Freud pensa que ela associa os gemidos do porco aos de sua mãe no parto, e que o irmão é como um filho imaginário que teria sido recebido com ódio e ciúmes e isso lhe suscitaria o desejo de morte. Suas manifestações seriam fantasia infantil e ilusões de memória. De acordo com ele, a telepatia nada tinha a ver com sonhos, e se o sonho não é para realizar desejo, não merece ser chamado de sonho. O fenômeno telepático seria uma realização do inconsciente e ele diz: “O sonho telepático é uma percepção externa, diante da qual a psique mantém uma atitude passiva e receptiva”. Freud dizia que “grande parte dos ocultistas não é impulsionada pela vontade de saber, são pessoas já convencidas que procuram confirmações para sua fé”, mas concordava que o ocultismo e psicanálise sofreram o mesmo tratamento arrogante e egoísta da ciência oficial, por isso muitos supunham uma relação amistosa por essa razão, porém, para ele, não tinham relação entre si, pois acreditava que “os analistas, são, no fundo mecanicistas e materialistas incorrigíveis” e “contra o perigo subjetivo de desperdiçar o interesse no fenômeno o analista pode se defender mediante a autodisciplina”.
E eu me pergunto: do que os analistas teriam que se defender? Por que ele teve de se defender? Freud era materialista, mas todos os analistas são? Tem que ser? O método que ele criou de curar pela fala é genial, só que na contemporaneidade vale a pena seguir à risca todos os preceitos freudianos? Tem psicanalista que acha que sim e continua a fazer interpretações nesse sentido, o sentido restrito, sem ir além, sem intertextualidade. Eu tenho preguiça porque isso beira o cartesiano. E não é disso que se trata uma análise. Os significantes não se sobrepõem ao significado? O simbólico não se sobrepõe ao imaginário? Prefiro pensar no valor que o significante do sujeito tem e no seu efeito simbólico do que ficar presa num texto de cem anos atrás e por uma interpretação de Freud, ainda escrevendo conceitos, tendo que se defender da acusação de pseudociência, negando as coisas que acontecem e que não puderam ser comprovadas naquele momento.
Peirce diz que sense é a faculdade sensorial, aquilo que é sensível e que também é o sentido. E a telepatia é justamente isso, algo que foge à razão, mas tem efeito de sentido. Concordo em partes com Freud quando ele diz que é uma experiência passiva - é e não é. É um saber antecipado que chega à consciência antes de acontecer. Não dá para saber quando vai acontecer. Então o sentir do sensitivo-telepata é um assentir, consentir, um sentir com sim? O telepata consegue essa comunicação por se permitir sentir? Ele não conseguiria falar não a essas comunicações? A telepatia também pode ser ativa, um emissor manda uma mensagem para o receptor e a comunicação se estabelece, assim, pelo pensamento, até que um deles se manifesta por um meio físico e a comunicação de fato se concretiza.
#Telepatia e #empatia são palavras parecidas e ambas falam do sensorial. O “sentir como o outro” e o comunicar-se sem a presença são de natureza sutil. A telepatia, por mais que seja uma comunicação, está fora da linguagem verbal que conhecemos. Agora, se a gente for pensar na concepção lacaniana de que o inconsciente é uma linguagem, então a telepatia, por ser comunicação inconsciente, é uma linguagem. Outra coisa interessante no relato da analisanda do Freud, que é bem atual, é que ela não queria comer carne por se comunicar com a dor do animal, então essa questão do veganismo e vegetarianismo parece não ser de hoje. Inclusive há diversos relatos de pais de crianças pequenas se recusam a comer carne por causa do sofrimento animal sem nunca terem visto um abate, elas já nasceram vegetarianas e não fizeram laço com a cultura do comer carne. Estão nascendo pessoas mais sensíveis às dores dos outros? Como a ciência explica isso? Pois é, a ciência não explica tudo. É preciso entender a via do sentir.
O que é a telepatia para mim
Minha antiga analista vivia repetindo que os inconscientes conversam entre si. Ela não falava a palavra telepatia. Mas isso não chama telepatia? Chama transferência? Transmissão de pensamento? Na telepatia, o tempo e espaço independem para a comunicação. A telepatia é uma enunciação, uma intuição. Segundo a filosofia e ciência espírita, a telepatia será o modo de comunicação do futuro, um jeito mais evoluído de falar. Na minha experiência até aqui, já vivi e vivo fenômenos telepáticos. Não é algo que eu consiga controlar, é espontâneo. De repente me vem à mente um pensamento com um amigo que mora a um oceano de distância e logo depois vem a notificação no WhatsApp. Aparecem cenas na minha mente que depois se realizam. Eu penso em coisas e em pessoas e elas surgem na minha frente, do nada, sem explicação. Sonho com coisas que se concretizam. E já me perguntei muito sobre a natureza disso, tentei encontrar justificativas racionais e não as encontrei. Vou me reduzir às explicações materialistas perante ao que vivencio? As coisas que não têm explicação significam que não existem? Não necessariamente.
Prefiro pensar que são nomeações diferentes para coisas da mesma natureza. E levo em consideração o tempo. Pensar as coisas por uma única via de pensamento é meio limitante. E eu prefiro a contemporaneidade, a associação livre de saberes que parecem desconexos, mas que têm muita conexão. No seu livro, Sidarta compara os psicanalistas aos xamãs no que se refere aos recursos de análise dos sonhos:
Se para os psicoterapeutas o sonho é a principal fonte interior de símbolos, em diversas culturas tradicionais a experiência onírica não remete apenas a outra realidade mental, mas a uma realidade material, concreta e perceptível. Para pessoas imersas nessas culturas, a oposição entre vigília e sonho não corresponde a nenhuma distinção entre material e imaterial, ou entre o orgânico e o psíquico [...] esses povos reconhecem nos sonhos a capacidade de prever o futuro, seja de forma acessível ao sonhador comum, seja por meio de sonhos reveladores em momentos de vida especialmente significativos, ou ainda através de sonhos xamânicos estimulados por ritos de iniciação, cura ou orientação espiritual. (RIBEIRO p. 331 a 353)
Eu prefiro não seguir a ortodoxia que alguns analistas seguem. Para mim, a "ciência é fluída", e o que é subjetivo, é a realidade psíquica de cada sujeito. Pensamento e palavra são vibração, uma energia, por isso são transmitidos. Agora, o motivo da telepatia existir, isso eu ainda não sei. O que sei é que é um laço de afeto não verbal e, assim como na análise, tem várias mensagens para serem decifradas.
Referências
FREUD, Sigmund. Obras completas. Psicologia das massas e análise do eu e outros textos (1920-1923) / Sigmund Freud; tradução Paulo César de Souza — São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
PEIRCE, Charles. Telepatia e percepção; tradução Lucia Ferraz Nogueira de Souza Dantas. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/cognitiofilosofia/article/download/35754/24679>
RIBEIRO, Sidarta. O oráculo da noite : A história e a ciência do sonho / Sidarta Ribeiro. — 1a ed. — São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
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